sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Desenhando cultura

Desenhando cultura
Por Ludimilla Fonseca, Luiza Vale e Rodrigo Souza

Alessandro Alvarenga, 31 anos, nasceu em Caratinga, interior de Minas Gerais, e hoje é designer de fama internacional. É mais um mineirinho que brilha longe de casa. Formado na Escola de Design da UEMG (a segunda escola de design mais antiga do Brasil), Alessandro já foi tema de notícias em revistas especializadas como Casa Vogue e Casa Cláudia. Atualmente morando em Belo Horizonte, o designer coordena projetos fora do país, dentre eles a reforma de uma rede de restaurantes nas cidades de Paris, Londres e Milão.
Incluído no livro O Design no Brasil, uma edição especial do jornalista Pedro Ariel para a revista Casa Cláudia, ele aparece ao lado de grandes nomes como Sérgio Rodrigues, Carlos Motta, Irmãos Campana, entre outros. Além de já ter sido classificado entre mais de 900 designers de todo o mundo no HRD Council Awards(importante concurso de jóias de diamantes, na Antuérpia, Bélgica), por dois anos consecutivos.
Seu trabalho inclui uma coleção de sucesso para a ANNO- loja de móveis de Belo Horizonte-, além de ser o responsável pela criação de produtos da Sierra Móveis de Gramado, RS, uma empresa de mobiliário de alto luxo.




O design é uma profissão relativamente recente e pouco conhecida no Brasil, apesar de seu desenvolvimento e crescente importância no cenário mundial. Conhecendo o caso singular de Alessandro, fica fácil notar como o design, que a cada dia descobre novas especialidades, agrega os “conhecimentos-chave” da profissão às soluções e demandas mercadológicas atuais.

Sobre sua vida no interior, Alessandro diz ter ótimas recordações. Porém, “em cada fase tive diferentes experiências; algumas péssimas, mas outras muito felizes. Por exemplo, da infância sinto especial saudade das brincadeiras na rua Princesa Isabel e dos amigos de lá; pegávamos carambolas e jabuticabas nos quintais dos vizinhos nos finais de tarde e era muito gostoso. Da adolescência tenho saudades de sair nos finais de semana para dar uma volta a pé na Olegário Maciel e depois parar na praça Getúlio Vargas e por lá permanecer até o dia amanhecer, na companhia das minhas melhores amizades e que permanecem até hoje”.





Contudo, Alessandro queria mais: parafraseando Drummond, Caratinga tornou-se “apenas uma fotografia na parede”. O designer conta que quando se mudou para Belo Horizonte, teve medo de não se adequar ao ritmo da metrópole, mas que tudo acabou se resolvendo. A cidade lhe ofereceu oportunidades de conhecer pessoas influentes na área e de visitar mostras de artistas importantes. "Lembro que na época fui a exposições fantásticas de estilistas mineiros, brasileiros e até de outros países, como Camille Claudel. Pude assistir aos espetáculos dos grupos Corpo e Galpão e participar das performances de rua do FIT (Festival Internacional de Teatro). Tive contato com o mundo da arquitetura e decoração através da Casa Cor, que sempre visitei”. Foi um período muito rico para a formação cultural e intelectual do futuro designer. Era apenas mais um anônimo tomando ônibus e andando pela rua normalmente. “Não me preocupava em como estava vestido e até mesmo se estava com sacola de compras voltando de metrô. Pude ser o Alessandro, sem ser o filho de beltrano ou siclano”.


Camille Claudel e suas obras


Superadas as dificuldades, Alessandro coleciona trabalhos de sucesso. Ele destaca o Pufe Pitanga, que está incluído na coleção especial de assentos brasileiros organizado pela mais importante loja de design nacional, a Dpot, de São Paulo; a coleção da ANNO de Belo Horizonte, da qual faz parte; e a criação de produtos da Sierra Móveis como seus feitos mais importantes como designer. Além disso, "fui finalista no Concurso Coroa da Padroeira do Brasil, fomos os mais votados no juri popular com mais de 60.000 votos (foto ao lado). Também recebi menção honrosa no Prêmio Boa Forma Abimóvel. Nossa, foram muitas coisas...”, conta.



Pufe Pitanga

Toda essa experiência profissional fez com que as portas do mercado internacional se abrissem. Recentemente, Alessandro foi à Feira de Milão e depois atendeu a um cliente da Sierra Móveis em Paris, onde passou seis dias desenvolvendo projetos junto aos arquitetos de uma cadeia de restaurantes que se espalha por toda a Europa. "Provavelmente, dentro de alguns meses coordenarei equipes na França, Espanha e Romênia, quando finalizarei os protótipos do mobiliário e o projeto de engenharia integrada dos restaurantes”.


Mesa Clau


Mas nem tudo é trabalho. Alessandro aproveita as viagens para passear e se reciclar: "andar em Paris é a coisa mais gostosa que existe - ainda mais sozinho. Já em Milão, o melhor é ver a cidade borbulhar de idéias surpreendentes e visitar os espaços fora da Feira, além de dar uma volta na Via Montenapoleone para ver as vitrines mais hypes do mundo. Adoro ver moda, mas não sou um "viciado". Cuba é outro lugar que reflete muito no trabalho do designer: “adorei a energia do povo, que mesmo sofrido com os bloqueios financeiros continua maravilhoso. De lá busquei poesia e cor, que são dois recursos de linguagem que utilizo em minhas criações de autoria, que são diferentes das criações de mercado de consumo. Outra cidade que gosto de destacar é Londres. Gosto do humor britânico no design; eles mesclam irreverência e austeridade numa coisa só. Andar em Londres é diferente de andar em Nova York, que só pensa em dinheiro. Londres talvez seja mais cosmopolita que qualquer outro lugar do mundo”.



Cadeira Nii

Ver Alessandro contar sobre suas experiências fantásticas faz o tempo passar depressa e nos afasta da real condição do design brasileiro. É uma profissão pouco conhecida e, por isso mesmo, subvalorizada. Para quem não sabe, Alessandro explica que “design é, essencialmente, designar”. E não se trata de uma tradução ruim, porque, na verdade, a palavra não tem tradução exata para o Português. “O trabalho do designer não consiste apenas em ‘desenhar’, mas em tratar o produto como um meio de o ser humano satisfazer suas necessidades, sejam elas práticas ou apenas emocionais”. Exemplo disto é o sucesso da Apple com o iMac, o iPod e o iPhone. Ele acrescenta que “um designer tenta projetar produtos que facilitem a vida das pessoas ou simplesmente as comova pela beleza”.


iMac, iPhone e iPod


Isso nos fazer concluir que o design não é apenas uma conseqüência da cultura, mas também parte dela. “O design é reflexo do seu tempo. Na época das cavernas o homem já fazia peças de design para atender às suas necessidades. Posso dizer que o design deixa de ser uma coisa totalmente elitista quando são feitos produtos para o povo em geral. O lava-arroz, por exemplo, foi criação de uma dona de casa que lavava o arroz numa cabaça; hoje ela é milionária. O design só será percebido como realmente importante na vida das pessoas a partir do momento que elas entenderem que até a escova de dentes que usam todas as manhãs passou pelas mão de um projetista”.


Cadeira Langue


Depois de conhecer Alessandro Alvarenga, é impossível não parar para pensar no celular que carregamos no bolso, na cadeira em que sentamos e até nos cabides que teimam em não segurar nossas roupas adequadamente. E isso não seria um traço cultural? Os objetos do cotidiano influenciam, por exemplo, nossos hábitos de consumo e nossas escolhas estéticas. São, portanto, expressões culturais e comportamentais da sociedade contemporânea.

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